sexta-feira, 9 de agosto de 2013






De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.

Eugénio de Andrade




O amor
é uma ave a tremer
nas mãos duma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

Eugénio de Andrade

domingo, 4 de agosto de 2013





Mostrai-me as anémonas, as medusas e os corais
Do fundo do mar.
Eu nasci há um instante.
Sophia de Mello Andresen

Vozes do mar






Quando o sol vai caindo sobre as águas
Num nervoso delíquio d'oiro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?...

Tu falas de festins, e cavalgadas
De cavaleiros errantes ao luar?
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d'epopeias? Tens anseios
D'amarguras? Tu tens também receios,
Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz, ó mar amigo?...
... Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!

Florbela Espanca

Náiades, vós, que os rios habitais






Náiades, vós, que os rios habitais
que os saudosos campos vão regando,
de meus olhos vereis estar manando
outros, que quase aos vossos são iguais.

Dríades, vós, que as setas atirais,
os fugitivos cervos derrubando,
outros olhos vereis que, triunfando,
derrubam corações, que valem mais.

Deixai as aljavas logo, e as águas frias,
e vinde, Ninfas minhas, se quereis
saber como de uns olhos nacem mágoas;

vereis como se passam em vão os dias;
mas não vireis em vão, que cá achareis
nos seus as setas, e nos meus as águas.

Luís Vaz de Camões

Fundo do mar







No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen






De todos os cantos do mundo  
Amo com um amor mais forte e mais profundo 
Aquela praia extasiada e nua, 
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. 
Cheiro a terra as árvores e o vento 
Que a primavera enche de perfumes 
Mas neles só quero e só procuro 
A selvagem exalação das ondas 
Subindo para os astros como um grito puro.

Sophia de Mello Breyner Andresen





O mar azul e branco e as luzidias
Pedras –- O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida.


Sophia de Mello Andresen





“Há barcos para muitos portos,
mas nenhum para a vida não doer,
nem há desembarque onde se esqueça”.

Fernando Pessoa

Poema azul








O mar beijando a areia
O céu e a lua cheia
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu
E a lua cheia
Que prateia os cabelos do meu bem
Que olha o mar beijando a areia
E uma estrelinha solta no céu
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu e a lua cheia
um beijo meu


Sophia de Mello Breyner Andresen






Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen






Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.


Sophia de Mello Breyner Andresen